Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia registra 18 óbitos por Covid-19 e 254 casos de contaminação de trabalhadores da área em todo o Brasil. Falta de EPIs e de testes clínicos para detecção do coronavírus são alguns dos problemas relatados por conselhos profissionais, que cobram maior reconhecimento desses trabalhadores.
Sergio Henrique Saraiva Costa; Renato Viana de França; Celso Saldanha dos Santos; Joel de Souza Sirino. Esses são os nomes de alguns dos técnicos em radiologia que morreram de Covid-19 em todo o Brasil até o momento. Segundo levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Técnicos em Radiologia (Conter), 18 trabalhadores não resistiram às complicações causadas pela doença que já fez dezenas de milhares de vítimas em todo o país.
Segundo o Conter, os óbitos registrados até o momento ocorreram em sete estados: Pará (5), Rio de Janeiro (5), Maranhão (3), São Paulo (2), Amazonas (1), Rio Grande do Norte (1) e Pernambuco (1). Todos eram do sexo masculino e, com exceção do auxiliar em Radiologia Jaime José da Silva, de Pernambuco, todos desempenhavam a função de técnicos em Radiologia.
Os técnicos são maioria também no total de casos de Covid-19 registrados até agora pelo Conter: dos 254 casos de contaminação de trabalhadores da área, 198 foram de profissionais com esse perfil. Outros 52 casos foram registrados entre os tecnólogos, profissionais de nível superior, e dois foram de auxiliares. Em um dos registros do Conter a categoria do profissional não foi informada. Quase dois terços dos casos de contaminação foram do sexo masculino, 164 no total, sendo que as profissionais da Radiologia do sexo feminino contaminadas por Covid-19 somaram 90 casos. Segundo o Conter, o estado do Ceará foi o que registrou o maior número, 46, seguido por São Paulo (41), Rio de Janeiro (36), Pernambuco (28), Pará (21), Maranhão (17), Amazonas (13), Paraíba (11) e Rio Grande do Sul (9). Os estados da Bahia e do Rio Grande do Norte registraram cada um cinco casos; Paraná, Espírito Santo e Roraima confirmaram três; Distrito Federal, Alagoas e Minas Gerais, dois casos, e, por fim, os estados de Piauí, Santa Catarina, Rondônia e Goiás informaram um caso de Covid-19 entre trabalhadores da Radiologia cada.
Luciano Guedes, presidente do Conter, ressalta no entanto, que acredita que a subnotificação dos casos ainda é grande, a exemplo do que acontece no total de casos de Covid-19 em todo o Brasil divulgados diariamente pelo Ministério da Saúde. “Nós criamos um portal com um formulário em que o próprio profissional informa o contágio e os familiares indicam também a causa mortis em caso de óbito. Mas nossos colegas estão com uma sobrecarga emocional muito grande, e acredito que isso infelizmente acaba desencadeando a subnotificação do número de contágios. Eu ouvi relatos de profissionais que estão há mais de um mês sem ir para casa, porque trabalham em um hospital de referência no combate à Covid-19 e ficam com receio de irem para casa e conviverem com a família”, diz Luciano.
Informações ainda dispersas
Ainda que alguns conselhos regionais e o nacional venham se mobilizando para contabilizar em nível nacional os casos de contaminação e óbitos por Covid-19 na Radiologia, ainda há alguma dificuldade em se obter informações precisas sobre isso. Esta reportagem, por exemplo, identificou algumas discrepâncias nos dados disponibilizados pelos conselhos estaduais e pela entidade federal de representação desses trabalhadores ao longo da apuração. Em entrevista ao Portal EPSJV/Fiocruz, o presidente do Conselho Regional de Técnicos em Radiologia do Rio de Janeiro (CRTRRJ), Marcello Costa, afirmou que o órgão havia registrado até aquele momento 82 casos de trabalhadores contaminados por Covid-19, e não 36, como havia informado o Conter. “Alguns são por testes clínicos e outros por imagem de tomografia computadorizada sugestiva de Covid-19, comprovada através dos sintomas, tendo em vista a dificuldade de os testes serem disponibilizados para os nossos profissionais atualmente”, explica Marcello.
Salomão de Souza Melo, presidente do Conselho Regional de Técnicos em Radiologia do Ceará, por sua vez, afirmou que desconhecia o dado apresentado pelo Conter, de 46 casos de contaminação por coronavírus entre os trabalhadores da área no estado. “Que nós temos casos confirmados, com certeza. Temos bastante profissionais afastados, outros até voltaram a trabalhar. Eu só não tenho como te dimensionar essa quantidade. Eu creio que o Conter tenha obtido essa informação através do formulário disponível no site deles para que os trabalhadores informassem diretamente ao Conselho Nacional os casos de contaminação”, avalia Salomão. Segundo a assessoria de comunicação do Conter, as discrepâncias se dão porque, embora o “canal oficial” para notificação dos casos de Covid-19 entre trabalhadores da Radiologia seja o formulário disponível no site do Conter, algumas delas vêm sendo realizadas diretamente aos conselhos regionais. Outras, como no caso do Ceará, são feitas diretamente ao órgão nacional, sem passar pelas regionais. Segundo a assessoria, o Conter espera que até o início de junho tenha unificado as informações disponíveis nos conselhos regionais com as registradas pelo canal criado pelo conselho nacional.
Ex-aluno da EPSJV/Fiocruz entre os casos no Rio de Janeiro
No Rio, um dos casos registrados foi o de José Geraldo de Aguiar Júnior, ex-aluno do Curso Técnico em Radiologia da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), que há quatro anos trabalha em um hospital da Baixada Fluminense. No momento em que deu entrevista ao Portal EPSJV/Fiocruz, José Geraldo se encontrava afastado de suas funções há nove dias, em isolamento domiciliar desde o momento em que apresentou os primeiros sintomas. “No início da pandemia foi um pouco preocupante, tínhamos muitas incertezas e dúvidas em relação ao vírus, ao volume de casos que teríamos de atender e a como seria a abordagem do hospital para absorver o que estava por vir. No primeiro mês tivemos vários colegas afastados com sintomas da doença, outros foram internados e infelizmente tivemos o primeiro óbito, com a morte de um colega técnico de enfermagem. Foi o momento mais complicado. Vi o medo no olhar de muitos amigos de plantão”, relata José Geraldo, destacando que, a partir daí, “tudo se modificou”. “Passamos a atender pacientes de ambulatório e de emergência com Covid-19, e a atender os três CTIs [Centros de Terapia Intensiva] criados para pacientes entubados, passando a conviver diariamente com o vírus e com protocolos de segurança”, afirma. Ele ressalta, contudo, que foi preciso a intervenção da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) junto à gestão do hospital para garantir que todos os trabalhadores da Radiologia recebessem EPIs. “Houve momentos difíceis para os profissionais do centro de imagens, que no início não eram vistos como integrantes da linha de frente do enfrentamento da Covid-19, e portanto não haveria necessidade do uso de todas as proteções por esses trabalhadores. Nesse momento foi muito importante a participação da CIPA, da qual sou vice-presidente, para mostrar a real atuação desses profissionais e seu grau de exposição ao vírus”, explica o ex-aluno da EPSJV/Fiocruz. E completa: “No momento em que estamos, com o volume de pacientes, em qualquer atendimento temos o risco de contaminação e temos que usar sempre os EPIs. Temos áreas em que é preciso redobrar os cuidados, como nos CTIs com pacientes entubados”.
A falta de EPIs ainda é um problema relatado com alguma frequência por profissionais da área. Tanto que o Conter criou um canal na internet especificamente para receber denúncias do tipo. O Conselho recebeu até o momento 86 denúncias em todo o Brasil, a maioria pelas regionais de Minas Gerais (11), Piauí e Maranhão (8), Rio Grande do Sul (7) e Ceará (7). “Nós, profissionais da Radiologia, estamos na linha de frente do combate à Covid-19, embora infelizmente a gente não seja muito lembrado”, lamenta Wellington Miranda, presidente do Conselho Regional de Técnicos em Radiologia do Maranhão e do Piauí, ele mesmo afastado duas vezes do trabalho depois de apresentar sintomas da doença. “Recebemos muitas denúncias por falta de EPIs, em várias cidades, e estamos preparando ofícios para as instituições, para a Vigilância Sanitária e para o Ministério Público para regularizar a situação e a gente poder trabalhar com mais segurança”, aponta Wellington. E completa: “Percebemos também que há muita desconfiança dos trabalhadores nos equipamentos que são disponibilizados por terem procedência duvidosa. São capotes feitos com material inadequado, não impermeáveis, máscaras sem qualidade, etc, que põem em risco nossa saúde”.
O presidente do conselho regional do Rio chama atenção também para a falta de testes clínicos para detecção do coronavírus para os trabalhadores da Radiologia que apresentam sintomas. “É uma realidade que infelizmente vemos para a população brasileira como um todo, especialmente a carioca”, afirma Marcello Costa. Nesse contexto, diz ele, uma saída tem sido a realização de exames de imagem, em especial as tomografias computadorizadas – por sinal uma das atribuições dos profissionais da Radiologia – para diagnóstico da Covid-19. “Na unidade em que trabalho, tivemos um aumento de 180 para 460 tomografias computadorizadas por plantão de 24 horas. A maioria delas é exame de tórax e abdome, que é o protocolo definido hoje aqui para o estudo da Covid-19. Houve um aumento significativo. E como não temos testes para todo mundo, os exames saem com imagem sugestiva de Covid e auxiliam no diagnóstico”.
Como destaca o presidente do Conter, Luciano Guedes, essa tem sido a principal contribuição dos trabalhadores da Radiologia no contexto de pandemia. “Entre os exames de diagnóstico, a tomografia computadorizada é um dos mais importantes elementos no diagnóstico precoce da Covid-19. Obviamente correlacionado com dados clínicos. A tomografia não é o primeiro diagnóstico. ‘Ah, então vamos testar todo mundo por tomografia?’. Pelos princípios da radioproteção, não é o ideal. Mas em contrapartida, quando você tem dados clínicos, a tomografia é mais assertiva e com resultados mais precoces do que do que a análise por swab, que é aquele teste que coleta secreção, com uma espécie de cotonete estéril, na cavidade nasal”, afirma Luciano, e completa: “Então a nossa abordagem técnica, os nossos profissionais, são essenciais no tratamento precoce aos males da Covid-19. Eu não estou defendendo a tomografia como exame de rastreio, mas é uma excelente ferramenta de diagnóstico correlacionada à clínica. Diante da apresentação de sintomas de Covid-19, você tem a tomografia como um método que vai proporcionar um diagnóstico mais rápido e preciso nas fases iniciais da doença”. Luciano ressalta ainda que a falta de testes clínicos para os trabalhadores da área é atualmente uma preocupação do Conter, que está mobilizado na aprovação do projeto de lei 1.409/2020. Aprovado na Câmara dos Deputados no final de abril, o PL lista os profissionais de saúde considerados essenciais no enfrentamento ao coronavírus, que deverão ter prioridade nos testes diagnósticos para a Covid-19, além de receber gratuitamente de seus contratantes todos os EPIs recomendados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para os trabalhadores que mantêm contato direto com quem possa ter a doença. O Senado aprovou no dia 15 de maio um substitutivo ao texto do PL, incluindo várias categorias no rol de trabalhadores essenciais, entre eles os auxiliares, técnicos e tecnólogos em Radiologia. Por ter sido modificado, o PL voltou à Câmara dos Deputados, onde aguarda votação na Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público. “A nossa luta hoje é para que a gente expanda o número de testes direcionados aos profissionais da saúde, com a inclusão dos profissionais das técnicas radiológicas no rol de trabalhadores que devem ser priorizados na realização de testes clínicos. O profissional da saúde de um modo geral tem contato com pacientes contaminados e não contaminados. O nosso receio é que, ao não testar esses profissionais, eles acabem infectando outras pessoas sem saber, por exemplo durante seus deslocamentos de casa para o trabalho e do trabalho para casa”, alerta o presidente do Conter.
Salomão de Souza Melo, do conselho regional do Ceará, reforça o alerta, e cobra um maior reconhecimento dos trabalhadores da Radiologia no contexto da pandemia. “Temos toda uma legislação federal que nos reconhece como profissionais de saúde, mas infelizmente a gente não vê esse reconhecimento nas políticas voltadas aos trabalhadores da saúde em meio à pandemia”, critica Salomão. E dá um exemplo prático: “Em muitos hospitais chegam os kits de equipamentos de proteção individual, mas eles são fornecidos só para os enfermeiros, para os fisioterapeutas. Muitos gestores ainda acham que os profissionais que estão dando apoio nos exames de imagem, instrumentalizando o médico no prognóstico de Covid-19, não precisam receber EPIs. Precisa da intervenção do sindicato ou dos conselhos para que se reconheça que esses profissionais estão na linha de frente e estão se contaminando”.
Fonte: http://www.epsjv.fiocruz.br/noticias/reportagem/trabalhadores-da-radiologia-na-linha-de-frente-mas-sem-apoio